Abaixo uma entrevista concedida ao Estado. Veja que interessante no final a explicação das razões para NY ser tantas vezes destruída em filmes de ação.
JOÃO FERNANDO, RIO – O Estado de S.Paulo
Entrevista – Robert McKee, consultor de roteiros
Ouvir contos antes de ir para a cama na infância pode ser a promessa de um negócio lucrativo na vida adulta. Atento às fábulas que o pai lia, Robert McKee, de 71 anos, guru dos roteiristas de Hollywood, recebeu os primeiros estímulos para desenvolver seu talento de contar histórias. Após apresentar seu seminário por aqui em 2010, ele voltou ao Brasil esta semana para dar lições aos roteiristas dos canais Globosat, que investirão mais na dramaturgia, e conversou com o Estado.
O senhor afirma que a TV é o futuro dos roteiristas. Por quê?
O filme, como forma de arte, virou uma fórmula e o assunto tratado no longa ficou mais limitado. Os filmes ficaram politicamente corretos. Você tem de ter cuidado para não ofender ninguém. Na arte, você tem de exagerar. Os filmes de arte e os comerciais ficaram mais convencionais, limitados. A TV abriu seus braços, pega todos os níveis sociais, com psicologias complexas nas relações dos personagens, que geram histórias por dezenas de horas. Nos EUA, particularmente, trabalhar com roteiros de TV não há limitação de assuntos, você pode falar de política como quiser, pode ser ousar sobre religião, sexo, casamento, corrupção e até sobre crianças. Isso não acontece em um filme. Há coisas que, se você disser, ele jamais será rodado.
Como isso afeta Hollywood?
Os roteiristas estão deixando o cinema para trabalhar na TV. A ambição dos novos roteiristas não é fazer um grande filme americano, mas criar a grande série de TV, falar sobre dramas que ninguém do ramo do cinema faria. Na TV, as técnicas de se contar uma história são selvagens. A série Damages foi escrita por três alunos meus de Harvard. Eles fizeram algo que nunca se viu no cinema. Usam cenas futuras para pegar o público. Ninguém havia feito isso antes. Eles vão para o clímax da série, que está 12 capítulos adiante. Assim, o telespectador sempre sabe mais do que os personagens. Os filmes existem há mais de cem anos e ninguém nunca fez isso no cinema. Na TV, eles só querem saber da audiência, você pode fazer e dramatizar o que quiser para manter o público.
As novelas brasileiras costumam repetir tramas. Atualmente, há críticas em relação à principal produção no ar, que tem elementos de obras anteriores. O que os senhor sabe sobre a nossa TV?
Posso estar me enganando, mas vocês tendem a ter um autor dominante. Talvez, ele tenha alguns assistentes, que são só assistentes, que pulem os diálogos e tapem buracos. No sistema americano, é uma equipe que tem mais igualdade. Há um responsável, que ajuda a colocar na forma. Eles não são autores assistentes. Não há um autor. Nos EUA, a série tem de ser boa. Eles não ligam para as contribuições pessoais, o trabalho é o que importa. Vejo que os egos dos autores atrapalham, do tipo ‘se não for ideia minha, não vai para a tela’. Se você tem ideias para preencher, pode ter bom material. Senão, você ficará repetitivo. Tem de dar a oportunidade aos outros.
O que é mais importante para um roteirista, talento ou técnica?
Não dá para separar. Técnica sem talento é inútil e vice-versa. Os preguiçosos querem achar que o talento é suficiente e que não precisam estudar a técnica. E para os cínicos, tudo é uma questão de técnica, acham que não precisam de ideia original, que é só copiar todo mundo. O bom profissional entende que não pode aumentar o talento artificialmente. O talento que você tem foi Deus que te deu. O que você pode fazer é aumentar o seu conhecimento sobre a natureza humana, observar a vida, ler e aprender. Isso te dá mais material. Um dos problemas que tenho com os roteiristas é que eles nunca praticam nada. Quem toca piano pratica, atores ensaiam. Todo mundo pratica. Não conheço nenhum roteirista que diz “Estou sem ideias hoje, então, vou praticar a descrição do que acontece do lado de fora da minha janela de dez maneiras diferentes”. É como um concerto de todos os instrumentos da sua orquestra pessoal. Nenhum é mais importante do que o outro.
É fácil identificar quem é bom?
Não dá. Já vi gente dizendo que adora escrever, que acorda de madrugada e escreve sem parar. Nada de bom pode vir disso. Ninguém ama escrever, escrever é uma dor. Você tem de se forçar na cadeira. Às vezes, é o outro tipo de pessoa, um cara tímido, sensível. É um outro clichê. Acham que quem é assim é um escritor nato, uma pessoa quieta que observa a vida. Não digo nada. Não há como saber. É preciso ler o que eles escrevem para ter uma ideia.
O senhor é chamado de médico dos roteiros. Quais são as ‘doenças’ frequentes?
Sou, mas não posso ressuscitar os mortos. Às vezes, já é um cadáver, não posso fazer nada. Conserto coisas. Os problemas que os estúdios me trazem com mais frequência são os filmes de ação. É um clichê atrás do outro. Quando eu atuo como “médico”, trabalho direto com o autor. Eu faço perguntas. Está tudo no escritor. Se não está nele, o roteiro nunca será escrito. Tento tirar a história dele através das perguntas e vou dizendo: “Não está bom ainda”. Fico até ele ter uma ideia. Eu não o deixo trapacear. No fim desse processo, ele traz algo. Sou um psiquiatra das histórias.
Um dia Hollywood se cansará do clichê de destruir Nova York com desastres e monstros?
Se alguém inventar uma cidade tão boa como Nova York, vamos destruí-la. É relevante se NY é destruída. Lá tem Wall Street, a Broadway, o Metropolitan Museum, há muito investimento. Se Saint Louis for destruída, ninguém liga, não perdemos muitos. Não podemos deixar isso acontecer.